Ser da família para o trabalho e não para a herança u1646
A exploração do corpo negro se perpetua até hoje. Madalena é mais uma de milhares 2m4e1x
Um vídeo viralizou na internet nos últimos dias. As imagens mostram Madalena Santiago da Silva, uma mulher negra de 62 anos, que estava em situação análoga à escravidão há 54 anos. Essa tragédia repercutiu muito porque durante a entrevista, a repórter tenta pegar na mão de Madalena e ela diz que tem receio de tocar na mão branca da jornalista. Semana ada, a ex-patroa disse que não pagava salário pois considerava Madalena da família. Logo, precisamos entender o que o branco interpreta como negro familiar. 4j2b62
Para isso temos que voltar na época onde a escravidão estava dentro da lei. Neste periodo, os únicos negros que faziam parte da casa grande eram as negras idosas, a quem era limitada a cozinha, as arrumadeiras, que eram geralmente negras de meia idade, as mucamas, que colaboravam com as arrumadeiras e acompanhavam as senhoras nos eios, essas eram negras bonitas e jovens, que o senhor escolhia a dedo. Esses negros eram tidos como sortudos pelos seus pares, e os brancos viam o ato de permitir que estes frequentassem a casa grande como um grande favor. Favor esse que não as privava de ir para o tronco, ficar sem comer ou sofrer todos os tipos de agressões. Principalmente as mucamas, que eram vítimas dos ciúmes da sinhá e sofriam violências das mais variadas. Há relatos até de queimaduras faciais para desconfigurar seus belos traços.
Nessa breve e rasa fala, podemos entender os estereótipos de serventes negros em casa de brancos ainda hoje. É a cozinheiro idosa, que foi ama de leite dos filhos dos patrões, que criou os filhos deles enquanto os dela se criavam só, que traz a filha, ainda jovem, para ajudar a arrumar a casa porque a coluna dela não a permite mais. É essa filha que será vítima dos assédios do seu “irmão” de leite, assim como sua mãe outrora foi assediada pelo patrão, e são esses assédios que farão o filho dos ricos ser enaltecido e seu pai se vangloriar dizendo “tal pai tal filho”.
O “ser da família” é a falsa ideia branca de pensar que só por permear o meio deles, ainda que como subalternos, devemos ser gratos pelas migalhas e relevar toda violência recebida. Violência essa que mudou, mas nem tanto, do tempo do Brasil colonial para cá. Madalena não só viveu 54 anos em situação análoga à escravidão, como teve R$ 20 mil de sua aposentadoria roubada pela filha do casal dos “ex-patrões”. E isso não é incomum. Nos últimos meses, tivemos também a Yolanda, de 89 anos, que ficou 50 anos sendo escravizada e a Madalena Giordano, de 46, que ficou 38 anos ando por exploração. Esse tipo de conduta se perpetuará enquanto o imaginário social, moldado por toda estrutura racista, colocar brancos como superiores e salvadores. Vale ressaltar também que os reflexos da escravização africana são vistos a todo momento na sociedade contemporânea, e não só nesses momentos mais absurdos.
Por fim, é preciso falar também que Madalena Giordano, Yolanda e Madalena da Silva tem em comum a cor da pele. 82% dos resgatados em trabalhos similares ao da esvravidão no Brasil são negras e negros. E isso não é coincidência, é projeto de exploração.