Geração sanduíche: com famílias menores, a nossa rede de apoio também encolhe? 4t3b5u
Mulheres são mais 'ensanduichadas' por falta de rede de apoio que permita trabalhar, cuidar de filhos pequenos e pais idosos ao mesmo tempo 19g21
Os primeiros números revelados pelo censo de 2022 mostram que a família brasileira está mais enxuta. Segundo o IBGE, nos domicílios do país vivem menos de 3 pessoas em média. Para ser mais exata, são 2,79 pessoas por residência, número que atesta que as famílias numerosas do ado são algo cada vez mais raro no presente. 5n3l68
Os efeitos do encolhimento das famílias são sentidos por uma parcela considerável da população. São pessoas como a jornalista e roteirista Yara Reimberg, 53 anos, que personifica a chamada "geração sanduíche". O termo foi criado há quatro décadas para descrever alguém de meia idade que ficou espremido ou ensanduichado, cuidando ao mesmo tempo de pais idosos e filhos pequenos. Isso se deve à combinação de dois fatores: longevidade dos mais velhos e maternidade tardia.
Yara sabe como ninguém o impacto de ser ensanduichada por duas gerações separadas por um século de vida. Quando a filha Rafaela nasceu, a mãe da jornalista era uma senhora centenária. Na época, Dona Aparecida tinha uma certa autonomia. Estava lúcida, caminhava, fazia sozinha atividades como comer, tomar banho e se vestir. Mas, como boa parte das pessoas idosas que alcançam a longevidade, a cada novo ano de vida acrescentado à biografia, mais cuidados se fazem necessários. Infelizmente, viver mais significa também viver com doenças crônicas, debilitada e muitas vezes dependente de alguém.
No caso de Yara, ao mesmo tempo em que a mãe exigia mais cuidados, ela tinha uma filha pequena para criar e ainda dar conta da vida profissional. Como tantas outras mulheres do país, ela é filha única e mãe solo. Como lidar com tudo isso", classifica Yara.
Uma faceta cruel desse drama que empurra as pessoas para o papel de cuidador de duas gerações é que ele afeta de forma desproporcional as mulheres. Talvez o novo censo possa jogar alguma luz sobre essa realidade no Brasil. Sabe-se que no Reino Unido, por exemplo, 62% dos ensanduichados são mulheres entre 35 e 54 anos, pessoas que estão num período da vida super produtivo.
Nesta fase em que somos mão de obra valiosa para o mercado, mulheres são obrigadas a paralisar suas vidas, esquecer de seus anseios e sonhos porque, sem elas, praticamente não existe outra alternativa. Tirando a família, não há uma rede de apoio oficial com a qual se pode contar. Com uma população cada vez mais longeva, deveria haver alternativas para aliviar o fardo de quem cuida dos idosos da família. Como lembra Yara, "o estado é quem obriga a família a cuidar dos seus idosos, ao mesmo tempo que precisa de você como força de trabalho ativa".
Assim como a licença parental é entendida como algo que traz benefícios para toda a comunidade, deveria haver direitos semelhantes para quem assume o papel de cuidador/cuidadora de seus familiares. Não é possível ter uma sociedade com milhões de pessoas exauridas, com problemas sérios relacionados à saúde mental, por falta de políticas públicas pensadas para a população idosa.
Existe um provérbio famoso, cuja origem é atribuída ao continente africano, de que é preciso um vilarejo inteiro para criar uma criança ("it takes a village to raise a child"). O provérbio não só dá uma ideia do enorme trabalho que envolve criar uma criança para que ela possa desfrutar de uma vida feliz e plena. Ele também sinaliza que a função de cuidar de uma criança deve ser de toda a comunidade. A tarefa de olhar pelos entes queridos que estão no final da vida também deveria ser.