'Não tenho mais saúde': idosa ainda procura pela filha que desapareceu há 23 anos em São Paulo mfh
Stephany Souza Lopes não foi mais vista desde 17 de agosto de 2002, quando saiu para brincar na casa de uma vizinha e nunca mais voltou 482n1f
"Estou cansada. Não tenho mais saúde. Na pandemia morreram duas mães [que procuram por seus filhos], amigas minhas. A gente se desgasta muito." O desabafo é da auxiliar de enfermagem Zeni Souza do Carmo, de 67 anos, natural de São Paulo. A exaustão refletida nas palavras não é para menos: há 23 anos, ela procura pela filha, que desapareceu sem deixar rastros. 321k5p
Em 17 de agosto de 2002, Stephany Souza Lopes, à época com 6 anos, saiu para brincar na casa de uma vizinha, no bairro Guaianases, Zona Leste de São Paulo, e nunca mais voltou. Assim como Stephany, mais de um milhão de crianças e adolescentes são dados como desaparecidos a cada ano no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Estima-se que 10% deles --o equivalente a 100 mil-- jamais serão encontrados.
Na esperança de que Stephany não se torne parte dessa estatística, Zeni ainda reúne forças para falar sobre o assunto, que ganha ainda mais relevância neste domingo, 25, Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. Mesmo após mais de duas décadas, a fé para encontrar a filha ainda persiste. Ao Terra, ela conta sua história.
"Era um sábado. Eu tinha de ir trabalhar nesse dia e estava triste --mas não por isso. Estava com um pressentimento ruim, uma tristeza profunda. Mal sabia eu o que aconteceria naquele dia.
Comecei meu plantão às 7h. Assim que consegui, liguei para casa e a Stephany atendeu. Disse a ela que não queria que ela brincasse na rua naquele sábado. Não sei por quê.
A rua em que a gente mora é pequena e bem tranquila. As crianças brincavam sossegadas e sempre tinha algum adulto olhando. Eu mesma já cansei de pular corda com a Stephany e com as meninas aqui da rua.
Por volta das 9h, liguei de novo. Atendeu minha nora, mulher do meu filho mais velho --além de Stephany, tenho dois meninos, hoje já adultos: Carlos, de 46 anos, e Rodrigo, de 40. Pedi a ela para providenciar alguns quitutes, como pipoca, bolo e refrigerante, para as crianças entrarem para o quintal de casa.
Depois disso, ainda liguei mais duas vezes. Da última vez, ninguém atendeu. Era por volta das 13h. Pensei que Rodrigo tivesse chegado do trabalho e levado as meninas para ear. Era um hábito dele. Então, às 17h, ele me ligou chorando, contando que a Stephany tinha desaparecido.
Fiquei desesperada, mas procurei voltar logo para casa. Quando cheguei aqui, eles já tinham tomado todas as providências. Pelo fato de a Stephany ser filha de militar, até boletim de ocorrência já tinham feito. Os vizinhos já estavam todos aqui na rua, ajudando a procurar.
A história que me contaram foi que a Stephany começou a chorar porque, nesse dia, não tinha nenhuma criança na rua para brincar com ela --parece até coisa do destino. Então, minha nora a levou até a casa de uma vizinha, na mesma calçada, a uns 50 metros de distância. Quando minha nora foi buscar minha filha, a vizinha disse que ela já tinha ido embora.
Eu pensei que, quando chegasse do trabalho, encontraria a Stephany aqui. Coisa de mãe, sabe? Mas não. Até hoje estou procurando minha filha. Aqui na rua ninguém viu quem a levou.
Horas depois do desaparecimento, um vizinho, que mora duas ruas abaixo da minha, contou que paquerou uma mulher que subiu a rua e ficou parada perto de uma placa. Ele disse que nunca tinha visto a mulher antes --uma loira, de cerca de 1,60m de altura.
Depois de algum tempo, a mulher teria descido a rua segurando a mão de uma menininha. Segundo o vizinho, a criança comia alguma coisa, aparentemente um doce. Essa é a única pista que eu tenho.
De lá para cá, fizemos de tudo. Contatei a ONG Mães da Sé [que ajuda famílias a encontrar seus entes desaparecidos], fomos à imprensa, gravamos para vários programas. Eu achei que tinha que fazer de tudo para mostrar o rostinho da minha filha na televisão, que assim a encontraria. Foi ilusão. Já faz 23 anos que divulgo o caso.
Fiz mil cópias de fotos dela e espalhei por tudo quanto é lugar --caminhoneiros que rodam a estrada mandaram o material para outros Estados. Um policial do DEIC [Departamento Estadual de Investigações Criminais] chegou a produzir uma foto de como a Stephany estaria hoje, ado todo esse tempo. Em 15 de junho, ela fará 29 anos.
Em 2011, uma mulher me ligou de São José do Rio Preto [cidade no interior de São Paulo]. Ela disse que trabalhava em um órgão público e que não queria se identificar. Me contou que a Stephany havia ado por um posto de saúde de Bertioga [cidade na Baixada Santista] naquele ano.
Enlouqueci. Saí daqui no outro dia com o vizinho e fui parar lá em Bertioga. Quando cheguei ao posto, a moça relatou que uma pessoa que apresentou o mesmo nome da Stephany, junto com o meu nome e o do pai dela, de fato havia ado por lá. Depois, disse que não podia mais dar detalhes.
Voltei para São Paulo e fui direto para o DHPP [Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa]. Os policiais investigaram, mas não deu em nada. Até hoje, não sei se era de fato a Stephany ou alguém se apropriando da identidade dela.
Nesses 23 anos, já fui para todo canto. As pessoas me ligavam para dizer que achavam ter visto a Stephany e eu ia na mesma hora. Uma vez, fui até Santa Catarina depois que um senhor me ligou e disse que tinha 99,9% de certeza de ter visto minha filha. Não era ela.
Até hoje, procuro ativamente pela Stephany --no mês ado, gravei para um programa de televisão e estive recentemente na Praça da Sé para uma gravação [familiares ajudados pela Mães da Sé vão ao local para se manifestar]. Apesar disso, não mais como antes.
Já caí, tenho pino no pé. Um ombro rompeu, operei, rompeu de novo. Fora os outros problemas, de ordem emocional. Estou cansada. Não tenho mais saúde. Na pandemia morreram duas mães [que procuram por seus filhos], amigas minhas. A gente se desgasta muito.
Nos primeiros dias, eu ficava só na cama, dopada. Não aguentava nem abrir os olhos. Minha cabeça doía tanto que a pressão subia. Comecei a tomar dois ansiolíticos por dia: um de dia e um à noite. Depois, pensei: 'Agora só vou tomar [o remédio] para dormir. Preciso procurar minha filha.'
"Depois de um ano, voltei a trabalhar. Tinha dias em que eu pegava o trem e, na hora de descer, tinha crises de choro. A gente sofre muito. O tempo não cura a dor, só ameniza"
Eu vou à Praça da Sé e vejo mães cujos filhos desapareceram há pouco tempo querendo desesperadamente gravar para a televisão. Eu, às vezes, não faço mais questão. No meu coração, sei que não vou mais alcançar minha menina, aquela menininha de quando saí para trabalhar naquele sábado.
Se ainda tenho esperança de encontrar a Stephany? Sim. Sou evangélica e já perguntei por ela na igreja. Eles dizem que ela vai voltar, mas que ainda vai demorar um pouco. Sinto no meu coração que minha filha está viva.
Ainda guardo alguns pertences da Stephany. Ela tinha muitas roupas --botinha, sobretudo. Sempre que o tempo esfriava, eu chorava. Ficava olhando para as roupinhas e pensando: 'Será que minha filha está agasalhada?' Nos últimos dias, estava lavando uma peça de roupa dela e pensei:
"Meu Deus, como ela era pequenininha. Era só um bebê"
É tudo muito frustrante. Deus me deu a Stephany para eu cuidar dela, para que ela pudesse estudar, se formar, casar, ver os irmãos crescerem. Os dois têm família, são bons filhos. Eu não pude fazer nada por ela.
Já me arrependi de ter ido trabalhar naquele dia, já me culpei, já culpei outras pessoas que não tinham culpa. Quando estamos nervosas, pensamos e falamos tantas coisas. Ao longo do tempo, percebi que não existem culpados. O único culpado nessa história foi a pessoa que fez essa maldade.
Para sempre vou me lembrar da Stephany do jeito que ela era na infância: alegre, espevitada e geniosa. Era também muito vaidosa e muito madura para a idade --não parecia ter só seis anos. Às vezes fico pensando que foi por isso que raptaram minha filha. Procuro evitar pensar nisso para não sofrer tanto.
Não saber o paradeiro de um filho é pior do que perder um filho. Uma pessoa que perde um filho vai chorar por enterrá-lo, mas ao menos vai saber que foi Deus que o levou. No meu caso, eu não sei quem a tirou de mim."
O que fazer em caso de desaparecimento? 2u5847
1. Registro do Boletim de Ocorrência:
- Procure uma delegacia de polícia ou registre on-line por meio da Delegacia Eletrônica. Para isso, não é necessário aguardar 24 horas após o desaparecimento.
- Prepare-se para fornecer informações sobre o desaparecido, como nome completo, data de nascimento, características físicas, roupas que estava usando, e qualquer outra informação que possa ajudar na identificação.
- Leve uma foto atual do desaparecido.
2. Contato com a Polícia Militar:
- Ligue para 190 e informe o desaparecimento da criança.
3. Outras providências:
- Disque 100 é um canal para denúncias de violações aos direitos humanos, mas também é um meio de auxílio na localização de jovens desaparecidos. O Disque 100 recebe a denúncia e a encaminha aos órgãos competentes para que sejam tomadas as medidas necessárias. Desta maneira, você pode fazer a denúncia de maneira anônima.
- Caso a criança tenha algum problema de saúde, informe as autoridades e forneça as informações necessárias.
- Além da Polícia, outros órgãos, como Conselhos Tutelares, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), podem ajudar nas buscas.
- A comunicação do desaparecimento a familiares, amigos e vizinhos é fundamental, mas deve acontecer após o registro do BO, para não colocar o jovem em mais riscos.
- Procure por hospitais e prontos-socorros, pois a criança pode ter sido encontrada lá.
5. Divulgação da informação:
- Com a autorização da polícia, divulgue a foto e as informações da criança em redes sociais, mas evite divulgar informações pessoais ou números de telefone.
6. Acompanhamento do caso:
- Mantenha contato com a delegacia e com os órgãos que auxiliam na busca, como o Ministério Público.
- Se a criança for localizada, comunique imediatamente à polícia.
7. Leis de auxílio a crianças desaparecidas:
- Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990: Estatuto da Criança e do Adolescente: O artigo 86 institui políticas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. O artigo 87 coloca como um dessas políticas o "Serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos".
- Lei Federal n. 11.259/2005: Conhecida como "Lei da busca imediata", ela estabelece o início imediato de busca da criança ou adolescente a partir do registro de ocorrência policial, não sendo necessário aguardar 24 horas para efetuar o registro.
O que fazer se eu identificar uma criança desaparecida? 3h2s5x
Caso você tenha informações ou tenha encontrado uma criança desaparecida, você deve entrar em contato por meio do número de telefone 181. A ligação é gratuita. O serviço de Disque-Denúncia funciona para todo o País, todos os dias da semana, inclusive nos feriados, 24h. Não é preciso identificar-se. As denúncias são recebidas pela central e analisadas por técnicos, sendo transmitidas para os órgãos competentes no máximo em um dia.