Darwin, da engenharia social à genética 2w3t15
O impacto da engenharia genética e da biotecnologia deve-se sobretudo ao clima criado por Darwin e pelos seus seguidores darwinistas que tornaram possível os notáveis avanços das ciências naturais no século XX, aprofundando ainda mais as possibilidades de reformar e transalterar as estruturas genéticas do ser humano numa escala até então impensável. 5u1lt
Da pré-história a história 546bw
“É preciso não esquecer que todos os nossos provisórios conhecimentos psicológicos deverão um dia basear-se em substratos orgânicos. Afigura-se então lógico que existam substâncias e processo químicos específicos que produzam os efeitos da sexualidade e permitam a perpetuação da vida individual na espécie”
S.Freud – Introdução ao narcisismo, 1914
Marx acreditava que os homens e mulheres, fossem burgueses ou proletários, ainda estavam de fato com os pés e mentes na pré-história. Como discípulo de Hegel ele reservava um lugar honroso à Historia propriamente dita, a ter um papel elevado, um momento bem mais sublime do que a época permitia. A ciência inaugurada por Heródoto estava em seu ideário associada de algum modo a atividade consciente dos homens, o que na realidade não ocorria, pois segundo o seu famoso axioma, os homens fazem a historia mais não têm consciência disso. Enquanto todos dependiam de necessidades materiais, de lutar duramente contra a natureza e contra as injustiças de uma sociedade desigual, partilhando de uma maneira desproporcional dos frutos do trabalho, não havia condições para a realização plena do homem, fazendo com que não tivessem se adiantado muito além do cro-magnon. A brutalidade do cotidiano sufocava a grande maioria: logo a pré-história ainda se fazia largamente presente na história.
O humanismo bloqueado 3f2t1x
A potencialidade humanista dos indivíduos encontrava-se pois bloqueada pelas negaças materiais e pela opressão de classe, o que obrigava a parte mais sofrida da sociedade a lutar contra os mais beneficiados para poder algum dia atingir a sua plenitude. Situação que somente seria superada pela construção de uma sociedade superior a ser constituída revolucionariamente no futuro. O advento de um enorme projeto de engenharia social estava pois enunciado por Karl Marx bem antes da revolução bolchevique de 1917 e da chinesa de 1949, marcos fundadores dessa tentativa de fazer-se a história conscientemente, sem os impedimentos das diversas alienações ( econômica, social e cultural) que embaraçaram os homens até então. Estes dois imensos laboratórios humanos, o russo e o chinês, fracassaram como se viu no final do século XX: um pelo colapso o outro pela estagnação.
A emergência do darwinismo p4m1i
É em tal cenário de exaustão do projeto marxista de reforma do homem que se entende a dimensão adquirida pelo seu oposto, o atual projeto social-darwinista em andamento, sim porque Marx e Darwin são os verdadeiros pensadores na nossa época. É entre eles, entre o filósofo e o naturalista - foram contemporâneos na Londres do século XIX -, que oscilou o Ocidente e boa parte do mundo desde então. Sabe-se hoje que Darwin, homem de gênio como Marx, apesar de consagrar-se inteiramente às ciências naturais, tirara inequívocas conclusões sociais da sua doutrina da seleção natural. Ao revelar a profunda ligação da natureza humana com a sua origem animal, descartando do homem qualquer presença sagrada ou divina, ele abriu caminho e até estimulou a que o corpo humano servisse como o novo palco das tentativas de melhorar a humanidade. Ao invés de reformar a sociedade através de uma enorme convulsão social - suprimindo a desigualdade pela supressão da propriedade privada e pela planificação econômica - , utilizando o soviete , o colcós e a comuna rural, como laboratórios humanos dessa experiência ( como era o anseio dos marxistas) , o darwinismo ( aqui entendido como síntese de toda concepção naturalista das ciências) orientou-se num outro sentido, no da biologia.
Consertando a máquina humana 4m3e1s
As suas atenções voltaram-se não para os fatores externos ao homem ( economia, sociedade, trabalho ou tecnologia), mas ao contrário, para a sua estrutura bio-fisiológica, para a sua composição genética, pois como afirmara Darwin “ a hereditariedade é tudo”. Ao invés de tentar consertar o grande maquinismo social, os seguidores do grande naturalista, menos ambiciosos, preocupam-se em reformar a máquina humana em si. Rompendo definitivamente com a herança cartesiana que separava a alma do corpo em esferas distintas, o darwinismo concluiu, obediente ao velho dito romano do mens sana in corpore sano, não haver possibilidade de um espirito sadio poder nutrir-se de uma anatomia e de uma genética defeituosa. Não haveria boa sociedade composta por gente fisicamente debilitada.
Mendel no lugar de Marx 5h5g4r
Os notáveis avanços da medicina moderna combinados com as espantosas descobertas da microbiologia e da embriologia, fizeram com que a engenharia social, em crise, cedesse lugar à engenharia genética. O sociólogo viu-se superado pelo biólogo: Marx por Mendel, Lenin por Lineu. Lentamente, mas com força cada vez maior, configura-se a idéia de uma construção do homem inteiramente laboratorial, liberto como se diz da “loteria da natureza”, porque para o darwinismo subentende-se ser impossível alcançar-se o verdadeiro humanismo estando o homem ainda preso a sua animalidade.
O homem neuronal 5j2s1k
O novo ser humano a se vislumbrar para o século XXI – que Jean-Pierre Changeux chamou de homem neuronal – está sendo projetado nos gabinetes da engenharia genética, aparecendo assim como uma espécie de versão biológica do super-homem de Nietzsche. Dotado com uma nova estrutura ( sem doenças, a salvo pestes e epidemias, imune às taras, intelectualmente atilado) - inspirada ainda que remotamente no transformismo de Lamarck e na frenologia de Gall - , pretende-se que supere o humano tal como ainda o conhecemos ( esse abrigo de bacilos e vírus, dado à estupidez e ao desatino). Ao alterarem-lhe a composição do seu DNA, e ao que Demócrito chamou em eras adas de “ átomos psíquicos” , algo totalmente diferente poderá emergir das incubadoras dessa engenharia genética.
A crise do humanismo clássico 41u2a
Neste impressionante contexto da Revolução Tecnobiológica que se expande pelo mundo inteiro o que restará ao humanismo ocidental de raiz livresca? Durante séculos o homem foi doutrinado no lar, na escola e na igreja, tendo um grande livro ( a Bíblia entre os cristãos) e seus derivados como referência máxima da sua formação. O enorme esforço de domesticação do projeto clássico - a idéia de converter e refinar o homem pela palavra escrita, arrancado-o da animalidade pela leitura e pela reflexão metafísica -, que se estendeu pelos últimos dois ou três mil anos, provavelmente está para se extinguir.
Um neo-humanismo se vislumbra no qual a herança zoológica poderá ser atenuada, senão superada, não pelas letras impressas e sim pela incisão nas estruturas humanas do bisturi bioquímico, pela cibernética e pela radicalização da ciência, articuladas com corretivos feitos por implantes e cirurgias plásticas, desencadeando ai sim a busca das plenitudes verdadeiramente humanas. Em suma, na modernidade cada vez mais se articula a superação em definitivo do lado primata do homem!
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