No Recife, escritora desperta talentos para novas histórias que a favela quer contar 6uk1i
Autora de vários livros, cria volta à comunidade para estimular a nova geração a escrever sobre si, seu território e suas lutas asq
Projeto literário na favela Santo Amaro ilustra a importância de 23 de abril, Dia Mundial do Livro, data escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para celebrar o livro, incentivar a leitura, homenagear autores e refletir sobre seus direitos legais.
É uma manhã de sábado e muito sol, dentro de um espaço comunitário da favela de Santo Amaro, no coração do Recife. Um grupo de jovens se reúne em roda. Mas, diferente de tantas rodas de capoeira que acontecem ali, desta vez o movimento é da palavra. 181x17
Entre a batida de atabaque e cantos ancestrais, surgem versos, histórias e desabafos. E no centro da roda, a escritora e educadora Odailta Alves, 45 anos, mulher negra, lésbica, ativista dos direitos humanos, acolhe cada fala como quem reconhece, nos olhos daqueles jovens, um espelho de si mesma.
Odailta nasceu naquele território marcado pela desigualdade, estigma e resistência. Hoje, é doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), servidora pública nas redes de ensino do estado e do município, autora de dez livros e vencedora de prêmios literários e teatrais nacionais.
Antes de tudo isso, foi uma menina da favela Santo Amaro, que descobriu, cedo, o poder da palavra como abrigo e arma. Agora, com o projeto Gingando com as Palavras Pretas, ela volta às origens para fazer com que outros jovens também se reconheçam autores — não apenas de poemas, mas de suas próprias histórias.
“Tudo vira texto”, diz escritora que desperta escritores 67296d
São realizados dois encontros mensais, nas tardes de sábado, com vinte jovens negros, moradores da favela. Elas e eles se reúnem para falar sobre racismo, machismo, gordofobia, etarismo e outras violências cotidianas. E transformam essas vivências em poesia, com o corpo e com a voz.
“Não é aula no formato tradicional”, explica Odailta. “É roda, é canto, é escuta. Eles escrevem, rimam, declamam. Trazem as músicas de capoeira, falam da rua, da mãe, do medo e da coragem. Tudo vira texto. Tudo é válido. Tudo é potente.”
Há ajuda de custo em dinheiro, valioso estímulo para permanência no projeto que visa despertar para a criação artística. Os encontros ocorrem no espaço de capoeira da Mestra Shirley, uma das lideranças do bairro.
Capoeira é usada como prática poética 2b452c
A escolha da capoeira como eixo central não é por acaso. Essa arte afro-brasileira, trazida por pessoas escravizadas, cresceu e floresceu nas periferias do Recife, especialmente em territórios como Santo Amaro. É onde a cultura negra pulsa com força, e onde a capoeira, dança, luta e rito, se mantém viva como prática política e poética.
“O canto da capoeira é o primeiro poema que muitos deles conhecem”, diz a professora. “Ali já tem métrica, ritmo, dor, ancestralidade. A gente só amplia essa escuta e transforma em escrita.”
Segundo Censo de 2022 do IBGE, Santo Amaro tem cerca de 27.939 moradores, com predominância de população negra e parda. Por muito tempo, o bairro esteve entre os mais violentos da cidade. A proposta surge em um contexto de retração do o aos espaços formais de leitura.
Recife foi uma das capitais que mais registrou queda no uso de bibliotecas, segundo o Datafolha, em pesquisa apresentada no começo de abril. Com isso, ações descentralizadas como a da escritora se tornam ainda mais necessárias. “A literatura é um direito. E quando chega onde nunca foi levada, ela vira cura, vira farol”, afirma Odailta Alves.
Serviço: 4qo1y
Datas das próximas oficinas
Abril: 26
Maio: 10 e 24
Junho: 14
Onde: Espaço de Capoeira Mãe Arte, Rua Getúlio Vargas, 414 - Santo Amaro, Recife.
Horário: 14h às 17h
Mais informações AQUI.