'Meu querido, meu docinho': Os problemas de usar linguagem infantilizada com os idosos 5v5o1v
Especialistas explicam a importância de parar de falar com idosos como se eles fossem bebês s2t23
Um excelente exemplo de elderspeak, a linguagem infantilizada que muitas vezes usamos para falar com pessoas mais velhas: Cindy Smith estava visitando o pai em seu apartamento de moradia assistida em Roseville, Califórnia. Uma assistente que tentava convencê-lo a fazer algo - Cindy já não se lembra exatamente o quê - disse: "Deixe-me ajudá-lo, meu querido". 30211a
"Ele simplesmente lançou 'aquele olhar' - sob suas sobrancelhas espessas - e disse: "Como assim? Nós vamos nos casar agora?'", lembra Cindy, que riu bastante da cena.
Na época, seu pai tinha 92 anos, era planejador municipal aposentado e veterano da Segunda Guerra Mundial. A degeneração macular havia reduzido a qualidade de sua visão e ele usava um andador para se locomover, mas ainda tinha a cognição afiada.
Entre seus elementos centrais estão as expressões carinhosas inadequadas. "Essa linguagem às vezes é controladora, meio mandona, então, para suavizar a mensagem, usamos termos como 'meu querido', 'meu bem', 'meu doce'", comenta Kristine Williams, enfermeira gerontóloga da Escola de Enfermagem da Universidade do Kansas e outra coautora.
"Temos estereótipos negativos sobre os idosos, então mudamos a maneira como falamos".
Outras vezes, os cuidadores recorrem a pronomes no plural: "Estamos prontos para tomar banho?" Nesse caso, a implicação "é que a pessoa não consegue agir como indivíduo", explica Kristine. "Espero que você não entre junto no meu banho".
Às vezes, as pessoas que recorrem à elderspeak usam um volume mais alto, frases mais curtas ou palavras mais simples, entoadas lentamente. Ou falam com uma voz mais exagerada e cantada, que seria mais própria a crianças pequenas, além de termos como "penico" ou "pijaminha".
Outro traço comum é o uso das chamadas tag questions, aquelas perguntas que fazemos no final da frase para dar ênfase ao que foi dito - "Está na hora almoçar, certo?" Nesses casos, "Você está fazendo uma pergunta, mas não está deixando que eles respondam", observa Kristine. "Você está dizendo a eles como responder".
Estudos em casas de repouso mostram como esse tipo de fala é comum. Quando Kristine, Clarissa e sua equipe analisaram gravações em vídeo de 80 interações entre residentes com demência e funcionários, descobriram que 84% delas envolviam alguma forma de elderspeak.
"Quase sempre é com boas intenções. As pessoas estão tentando mostrar que se importam", pondera Kristine. "Elas não percebem que estão ando mensagens negativas".
Por exemplo, entre residentes de casas de repouso com demência, estudos encontraram uma relação entre a exposição à elderspeak e comportamentos conhecidos como "resistência ao cuidado".
"Os idosos às vezes se viram para o outro lado, choram ou dizem não", explica Kristine. "Ou então fecham a boca quando você tenta alimentá-los". Algumas vezes chegam a empurrar ou agredir os cuidadores.
Ela e sua equipe desenvolveram um programa de treinamento chamado CHAT: três sessões de uma hora que incluem vídeos de comunicação entre a equipe e os pacientes, com o objetivo de reduzir a elderspeak.
Deu certo. Antes do treinamento, em 13 casas de repouso no Kansas e no Missouri, quase 35% do tempo gasto em interações consistia em elderspeak; esse número caiu para apenas cerca de 20%.
Ao mesmo tempo, comportamentos de "resistência ao cuidado" representavam quase 36% do tempo das interações; após o treinamento, essa proporção caiu para cerca de 20%.
Um estudo realizado em um hospital do Centro-Oeste dos Estados Unidos, novamente entre pacientes com demência, encontrou o mesmo tipo de declínio nos comportamentos de resistência.
Além disso, o treinamento CHAT em casas de repouso foi associado a um menor uso de medicamentos antipsicóticos. Embora os resultados não tenham alcançado significância estatística, em parte devido ao tamanho reduzido da amostra, a equipe de pesquisa os considerou "clinicamente significativos".
"Muitos desses remédios são de tarja preta", destaca Kristine sobre os medicamentos. "É arriscado usá-los em adultos mais velhos e mais frágeis" devido aos efeitos colaterais.
Agora, Kristine, Clarissa e seus colegas simplificaram o treinamento CHAT e o adaptaram para plataformas online. Elas estão examinando seus efeitos em cerca de 200 casas de repouso em todo o país.
Indivíduos e instituições podem combater a elderspeak mesmo sem programas formais de treinamento. Kathleen Carmody, proprietária da Senior Matters Home Care and Consulting em Columbus, Ohio, aconselha seus assistentes a se dirigirem aos clientes por senhor ou senhora, "a menos que ou até que digam: 'Por favor, me chame de Betty'".
Nos casos de cuidados de longa duração, porém, famílias e residentes às vezes temem que corrigir a maneira como as equipes de cuidadores falam possa criar conflitos.
Alguns anos atrás, Carol Fahy estava furiosa com a maneira como os assistentes de uma casa de repouso no subúrbio de Cleveland tratavam sua mãe, que era cega e havia se tornado cada vez mais dependente após os 80 anos de idade.
Chamando-a de "querida" e "mocinha", a equipe "a cobria de carinhos e prendia o cabelo dela em duas marias-chiquinhas no alto da cabeça, como se faz com as crianças", conta Carol, 72 anos, psicóloga em Kaneohe, Havaí.
Embora reconhecesse as boas intenções dos assistentes, "é uma espécie de falsidade", interpreta ela. "Não faz ninguém se sentir bem. Na verdade, é alienante".
Carol pensou em falar sobre suas objeções com os assistentes, mas "eu não queria que eles revidassem na minha mãe", conta. Depois de um tempo, por vários motivos, ela transferiu a mãe para outra clínica.
Questionar a elderspeak não precisa resultar em conflito, avisa Clarissa. Residentes e pacientes - e pessoas que se deparam com esse tipo de linguagem em outros lugares, já que ela não se limita a ambientes de saúde - podem explicar educadamente como preferem ser tratados e como querem ser chamados.
As diferenças culturais também têm um papel importante. Felipe Agudelo, professor de comunicação em saúde na Universidade de Boston, destaca que, em certos contextos, um diminutivo ou um termo carinhoso "não subestimam a capacidade intelectual, são maneiras de demonstrar afeto".
Ele emigrou da Colômbia, onde sua mãe de 80 anos não se ofende quando um médico ou profissional de saúde lhe pede para "tomar o remedinho" ou "mexer a mãozinha".
É uma questão cultural, e "ela sente que está falando com alguém que se importa", comenta Agudelo.
"Chegue a um ponto de negociação", aconselha ele. "Não precisa ser conflituoso. O paciente tem o direito de dizer: 'Não gosto que falem comigo desse jeito'".
O profissional, por sua vez, "deve reconhecer que o destinatário talvez não tenha a mesma origem cultural", diz ele. Essa pessoa pode responder: "É assim que costumo falar, mas posso mudar".
Lisa Greim, 65 anos, escritora aposentada de Arvada, Colorado, recentemente reagiu à elderspeak lidando com o programa de cobertura de medicamentos do Medicare.
De repente, ela relatou por e-mail, uma farmácia de venda por correspondência começou a ligar quase todos os dias porque ela não tinha preenchido um pedido da maneira correta.
Esses interlocutores "gentilmente condescendentes", aparentemente lendo um script, diziam: "É difícil lembrar de tomar os remédios, não é?" - como se todos estivessem tomando comprimidos junto com Lisa.
Irritada com a presunção deles e com a pergunta sobre a frequência com que ela esquecia seus medicamentos, Lisa informou que ela tinha estoque suficiente, obrigada. Ela faria um novo pedido quando precisasse.
Então, "pedi para eles pararem de ligar", conta ela. "E eles pararam".
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
