Postagem distorce dados de boletim ao afirmar que 70% da população não pode pagar por cesta básica w1t4p
INSTITUTO PACTO CONTRA A FOME MOSTROU QUE, PARA COMPRAR ALIMENTOS SAUDÁVEIS SEM COMPROMETER MAIS QUE 22% DO ORÇAMENTO, BRASILEIRO PRECISA GANHAR MAIS DE R$ 1,9 MIL; PREÇOS SÃO AFETADOS POR FATORES SAZONAIS E CLIMÁTICOS 5tb6w
O que estão compartilhando: uma foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanhada da afirmação de que ele destruiu a economia e que "70% dos brasileiros não conseguem pagar por uma cesta básica". 282b68
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso porque o post distorce informações apresentadas no boletim de maio do Instituto Pacto Contra a Fome, que analisa a inflação dos alimentos.
O documento calcula quanto custaria uma cesta básica saudável e adequada, com alimentos in natura e minimamente processados. O valor da cesta foi orçado em R$ 432. Para que uma pessoa consiga pagar por essa cesta sem comprometer mais que 21,87% do orçamento, ela precisaria ganhar R$ 1.976. A porcentagem de 21,87% representa quanto em média brasileiros gastam com alimentação e bebidas, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Ocorre que mais de 70% da população ganha menos de R$ 1.976, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A postagem também engana ao fazer parecer que as ações do governo são as únicas responsáveis pela inflação dos alimentos. O boletim do Instituto Pacto Contra a Fome informa que os preços são afetados não só pela política macroeconômica, mas por fatores sazonais e climáticos. Economistas ouvidos pelo Estadão acrescentam que as cotações internacionais têm forte impacto.
Como foi feito cálculo da cesta adequada
O Instituto Pacto Contra a Fome utilizou como exemplo de cesta adequada a elaborada pelo projeto Cesta Básica de Alimentos Brasileira, do Núcleo de Epidemiologia e Biologia da Nutrição (Nebin) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A cesta é composta principalmente pelos alimentos in natura e minimamente processados mais consumidos pelas famílias. Além disso, leva em consideração as quantidades médias de ingestão calórica em gramas para um adulto, ajustadas para cerca de 2 mil calorias por dia.
O custo dessa cesta é ajustado mensalmente com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Em abril, custou R$ 432 por pessoa no mês.
O boletim do instituto cita que a PNAD Contínua identificou que o rendimento médio per capita do brasileiro foi de R$ 2.020 em 2024. Assim, a cesta adequada representa 21,4% do orçamento médio das famílias brasileiras.
De acordo com o IPCA de abril, os gastos dos brasileiros com alimentação e bebidas representam 21,87% no orçamento familiar. Para conseguir respeitar essa proporção e arcar com demais despesas, o rendimento para pagar a cesta adequada deveria ser de R$ 1.976.
Ao Verifica, o instituto explicou que chegou a essa projeção a partir do consumo médio das famílias brasileiras segundo o IPCA. A metodologia consiste em dividir o valor da cesta alimentar (R$ 432) pela proporção que a alimentação representa no IPCA (21,87%), resultando na estimativa da renda mínima per capita (R$ 1.976).
O valor, destaca o instituto, está fora do alcance de mais de 70% da população. Em 2024, essa parcela tinha renda per capita de até R$ 1.963, segundo o IBGE. Além disso, conforme o boletim, mais de 10% dos brasileiros têm rendimento domiciliar per capita inferior ao custo da cesta adequada. Mais de 30% gastaria mais da metade de seus rendimentos para realizar refeições de acordo com essa referência.
O valor da cesta básica adequada é apenas um dos tópicos discutidos no documento, que avalia, no geral, dados do IPCA para o grupo de alimentos.
Boletim avalia a inflação dos alimentos
O boletim destaca que, em abril, os alimentos apresentaram variação de preço superior (0,82%) ao índice geral de inflação (0,43%), fenômeno que aconteceu em nove dos últimos doze meses. A participação da alimentação e das bebidas na cesta de consumo das famílias foi de 21,87%. Conforme o IBGE, esse é o maior custo das famílias no mês.
O documento concluiu que em abril a inflação de alimentos manteve protagonismo, mesmo com a desaceleração do IPCA (que ficou abaixo do observado em março: 0,56%). As maiores contribuições para a inflação vieram de batata-inglesa, tomate e café moído, que variaram 18,29%, 14,32% e 4,48%.
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Inflação dos alimentos não é causada apenas por políticas do governo
O boletim não atribui ao atual governo a variação dos preços, como faz o post analisado pelo Verifica. Conforme o documento, os preços foram impulsionados principalmente por uma combinação de transição de safras e de impactos climáticos regionais. O Instituto cita que as instabilidades do setor de agricultura afetam as expectativas de negócios e dificultam o ree da queda dos preços ao consumidor. Isso tem sido observado no caso do café.
O documento acrescenta que o contexto macroeconômico amplia os riscos. Como exemplo, é citada a guerra comercial entre Estados Unidos e China, que elevou a incerteza global, provocando volatilidade nos mercados e pressões sobre as cadeias produtivas.
"A formação do custo da cesta básica é determinada por uma combinação complexa de fatores, atores em diferentes níveis e naturezas de atuação do problema, são exemplos: fatores climáticos, custos de produção, logística, câmbio, política agrícola e dinâmicas do mercado global", acrescentou em nota ao Verifica o Instituto Pacto contra a Fome.
Economistas ouvidos pela reportagem confirmam esse cenário. Mauro Rochlin, doutor em Economia e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que os preços dos alimentos são impactados principalmente por clima, preços internacionais e política macroeconômica. Dos três fatores, apenas o último pode ser afetado pela gestão governamental.
O primeiro fator é o mais simples de se entender. As produções dependem do clima e são impactadas por frio, chuva e calor.
O segundo fator é como os preços internacionais se comportam. O economista explica que as commodities são produtos padronizados, que têm preço definido em termos internacionais, mais especificamente na Bolsa de Chicago. Isso inclui produtos agropecuários e alimentos. Por isso, as cotações internacionais têm grande influência sobre os preços internos.
O preço do trigo que o Brasil importa pode ter reflexos em produtos como o pão. "Por exemplo, se os Estados Unidos, que é um grande produtor de trigo, sofre uma quebra muito grande na safra, certamente vai ter impacto muito grande sobre a cotação do trigo na Bolsa de Mercadorias de Chicago", explicou Rochlin.
O terceiro fator é o aspecto doméstico. Aqui, se analisa se o governo tem uma boa gestão macroeconômica e se o câmbio é estável. De acordo com Rochlin, com estabilidade do câmbio, os preços das commodities também ficam mais estáveis.
Como exemplo, o economista cita a soja, o milho e o café, que são exportados e também consumidos internamente. "Esses produtos têm os preços internos fortemente afetados pela cotação do dólar. Assim como carne e frango", disse.
O doutor em Economia Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia, istração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP), da Universidade de São Paulo (USP), acrescenta que questões setoriais também podem afetar os preços, como, por exemplo, a saída - por decisão estratégica ou falência - de uma empresa relevante.
Choques econômicos, políticos ou sociais em outros países também podem elevar a incerteza mundial e levar à saída de capitais de países em desenvolvimento como o Brasil. Isso leva a uma depreciação da moeda local e, consequentemente, aumento da inflação.
"Existem outros mecanismos que não am pela decisão do governo e que afetam a inflação do País", resumiu.
O que o governo pode fazer?
Rochlin destaca que pouca coisa pode ser feita pelo governo em relação aos impactos causados pelo clima e pela cotação internacional. Sobre a questão macroeconômica, contudo, o governo pode atuar fazendo uma política fiscal responsável.
"O ideal é não fazer uma política fiscal muito perdulária, porque isso acaba tendo efeitos nefastos sobre o câmbio", afirmou.
A opinião do especialista é de que nesse sentido o atual governo tem errado. "O gasto tem sido excessivo, a gente tem uma dívida pública muito alta e subiu nos últimos dois anos. Isso teve impactos muito ruins sobre a taxa de juros e também sobre o câmbio", observou.
Nakabashi concorda que a principal medida seria o governo controlar os gastos via uma agenda ambiciosa de reformas estruturais. "Maior controle dos gastos reduz a demanda interna e melhora as contas públicas", disse.
